A Galeria Tato apresenta o CICLO EXPOSITIVO 10 e 11, mostra que reúne cerca de 30 obras de 28 artistas participantes de duas edições da Casa Tato, programa principal da galeria, que trabalha a inclusão de artistas promissores no sistema da arte. A abertura será em sua sede, na Barra Funda, circuito efervescente de arte na capital paulista. A curadoria é de Sylvia Werneck e Claudinei Roberto da Silva, com assistência de Maria Eduarda Mota.

Nessa exposição, os artistas participantes das edições 10 e 11 da Casa Tato se encontram no meio do caminho. O primeiro grupo conclui seu ciclo de acompanhamento, enquanto o segundo o inicia. São eles, respectivamente:

Adriana Nataloni, Anna Vasquez, Bianca Lionheart, Desirée Hirtenkauf, Edu Devens, Gela Borges, Glenn Collard, Isabel Marroni, Janice Ito, Jaqueline Pauletti, Marcelus Freschet, Marina Marini Mariotto Belotto, Neto Maia, Tomaz Favilla.

Catia Goffinet, Chalirub, Christian Sendelbach, Fause Haten, Genô Ribeiro, Izidorio Cavalcanti, Leandersson, Mariana Serafim, Mariane Chicarino, Melina Cohen Rubin, Otavio Veiga, Paulo Troya, Silvana Archillia e Simone Freitas.

“Toda arte tira sua origem de um defeito excepcional; toda obra é a realização desse defeito de origem.”
— Maurice Blanchot

O começo é sempre uma página por ser escrita, e as possibilidades são infinitas. As surpresas surgem, às vezes vestidas de angústia ou frustração, às vezes como um maravilhamento que faz o coração disparar, nos impelindo a um novo mergulho. Quando começamos esta jornada, os artistas da décima edição de acompanhamento da Casa Tato tinham muitas expectativas, muitas perguntas, algumas certezas. Hoje, quando celebramos o encerramento do programa, desejo a cada um deles mais perguntas, menos expectativas e ainda menos certezas, pois são justamente essas inquietações que mantêm os músculos da criatividade tonificados.

Neste fim – que é, na verdade, um começo –, fica evidente que o desafio do processo foi, sobretudo, acolher o acaso, o imprevisto, ou aquilo que se convencionou chamar de erro. Afinal, se tudo funcionar sempre de acordo com as regras estabelecidas, tudo será sempre igual. A imaginação só pode germinar a partir da mudança e, portanto, só consegue brotar da recusa da norma e da ousadia da ação insubmissa. Ao longo dos últimos meses, estes 14
artistas foram provocados a dialogar com o “erro”, sem a necessidade de fazer mudanças radicais, mas experimentando desvios, subversões e perspectivas diferentes.

Com a rebeldia alongada, vários trabalhos se agrandaram, e alguns foram pensados para invadir o espaço, mesmo que mantenham sua qualidade bidimensional. É o caso das imagens diáfanas de Adriana Nataloni, “paisagens” estranhas paradoxalmente formadas por elementos que costumam ser a antítese da paisagem, e de Janice Ito, que faz uma releitura da caligrafia japonesa tradicional, mas com um gesto vigoroso que abarca o imperfeito. Edu Devens exercita febrilmente tanto sua escrita ambidestra quanto a sobreposição da imagem carimbada em interpretações que desafiam os cânones do Homem Vitruviano. As enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul em abril de 2024 foram transformadas em fragmentos de histórias sem palavras na grande colagem de Isabel Marroni. Jaqueline Pauletti dispõe, por trás de uma rede, camadas de materiais prosaicos, domésticos ou preciosos, formando campos de cor que ora submergem, ora despontam na superfície.

São de outro tipo as paisagens das telas de Marcelus Freschet. Suas dunas monocromáticas flertam com a abstração, ao passo que sua composição abstrata poderia ser um registro topográfico. Anna Vasquez dá às suas cenas praieiras um tratamento que lhes confere uma atmosfera de indeterminação, já que não somos capazes de precisar seu tempo ou localização. Também há algo que não conseguimos definir nas fotografias de Gela Borges – conectadas pelo protagonismo do amarelo, lembram frames de uma história que não conhecemos.

Tom Favilla, em suas experimentações digitais, embaralha instâncias para imaginar uma realidade pós-apocalíptica. Neto Maia, por outro lado, parece nos deixar espiar dentro do universo mental de uma personagem em particular. Algo subjetivas são também as “monstras” de Marina Belotto, avivadas pelas pressões externas dos padrões vigentes. Toda arte tira sua origem de um defeito excepcional; toda obra é a realização desse defeito de origem.

Os três últimos artistas do grupo embrenham-se pelo caminho do fantástico. As assemblages de Glenn Collard formam estruturas entre o bizarro e o erótico, enquanto as criaturas mitológicas de Bianca Reis parecem estar na iminência de uma metamorfose. Entre a memória e o imaginário, Desirée Hirtenkauf povoa suas instalações têxteis com uma infinidade de elementos que escondem complexas relações por trás de uma aparência lúdica.

Ao fim, e a cada começo que se segue, é no terreno dos desacertos que a arte se desenvolve. Cada trabalho apresentado é fruto de uma intensa (e, por vezes, muito tensa) convivência com os temas, métodos e materiais da prática de cada artista. Seus processos passaram também por trocas com seus pares e seus orientadores, em interlocuções cujo intuito é contribuir para que todo estranhamento seja um passo em direção a uma prática embasada, sólida e longeva.

Adiante!

Sylvia Werneck
curadora

O programa Casa Tato 11 insere-se no quadro das iniciativas que pretendem trazer a público uma parcela daquilo que, contemporaneamente, é realizado no campo da arte, oferecendo uma plataforma para ensaios na qual seus participantes experimentam o contato com profissionais de várias áreas de atuação do universo da arte. A exposição que daí decorre também é o resultado do diálogo estabelecido entre o grupo participante e curadores convidados pelo programa.

O elenco de projetos prospectado nesse processo assinala uma abundante diversidade poética e, logo, de experiências profissionais, o que é bastante característico da cena cultural observada. Na multiplicidade das propostas reside justamente uma das qualidades relevantes do programa e também seu maior desafio. Se bem que as experiências variem no seu grau de maturidade – o que é, aliás, razoável –, depreendemos dessa coleção uma qualidade que deriva da dedicação ao trabalho dos artistas implicados nesse percurso.

Dessa edição da Casa Tato participam realizadores multimídia, como, por exemplo, Izidorio Cavalcante e Fause Haten, cujas trajetórias são institucionalmente reconhecidas e confirmadas pela produção alentada de propostas que tensionam os limites das linguagens por eles investigadas, mas o que é importante é que o programa também alcança artistas que, por meio dele, refinam e exercitam suas poéticas no contato com a crítica e com o público, na circulação das obras que o projeto faculta.

A propósito das pesquisas realizadas pelas artistas Mariane Chicarino e Marcia Chaloub, também observamos o experimentalismo e a tensão presentes na poética de Ribeiro e Haten; são, naturalmente, bastante distintas as estratégias estéticas e as vocações políticas. Não é irrelevante o número de mulheres que participam dessa edição do programa, e igualmente importante é a multiplicidade de interesses presentes em suas propostas.

Nesse sentido, a pintura se faz representada em produções muito variadas, como no caso das abstrações de Cátia Goffinet e Melina Cohen Rubin. Goffinet executa rigorosas composições de caráter marcadamente geométrico que denunciam sensibilidade de colorista, também presente em obras de vocação mais orgânica e igualmente sensíveis no estabelecimento das composições dos ritmos tonais. Melina Cohen Rubin especula no terreno da abstração informal e lírica e extrai daí pinturas de composições que num só tempo são delicadas e vibrantes, em que o gesto da artista se expressa em grafismo. Aliás, Mariane Chicarino também questiona a pintura em autorretratos com sua verve experimental e performática, em que certo tachismo se apresenta densamente. A propósito, são igualmente interessantes as pinturas que resultam do trabalho de Mariana Serafim. Sua concepção do espaço pictórico evoca silêncios meditativos e uma solidão que projeta, numa pintura de superfície, certa proposição metafísica presente na pintura italiana do entreguerras e do pós-Segunda Guerra Mundial.

Ainda sobre a pintura, vale salientar a forte investida da autodidata Simone de Freitas Correia, que evoca uma erudição nos seus trabalhos de importantes tradições de extração popular – tradições, aliás, também presentes nas impactantes esculturas cerâmicas de Genô Ribeiro, que, explorando a cerâmica, convoca um universo de personagens e situações extraído de um panteão arcaico e mítico. Esse ambiente mitológico é também investigado pelo artista Leandersson, que analisa cosmogonias diversas apresentando-as em pinturas de forte apelo pop e rigor gráfico, acrescentando a elas certo sarcasmo e ironia agridoce.

O metal é utilizado como matéria de interesse de alguns dos artistas presentes em abordagens distintas, que ressaltam sua versatilidade no uso e na sua reciclagem (reúso), pois com ele Christian Sendelbach – que, aliás, é também pintor – realça a leveza em proposição abstrata e informal de extração minimalista, e Otavio Veiga, de maneira diversa, destaca do metal o seu peso e a sua expressividade “bruta”. Veiga, por meio das obras apresentadas, sugere certa proximidade com a estética dadaísta e surrealista em abordagens que, igualmente, não ignoram as possibilidades oferecidas pelo expressionismo.

É interessante que a fotografia esteja representada nesta mostra pelo trabalho de Paulo Troya: o artista realiza uma série de experimentos nesse campo, entre eles aquele que resulta em imagens da arquitetura que constrói o espaço onde o rigor formal comemora as conquistas do concretismo. Nessas obras de Troya, o branco e preto acentua a qualidade gráfica do seu pensamento. A propósito, a qualidade gráfica da proposição apresentada pela artista Silvana Archillia projeta-se em obras de caráter bi e tridimensional em que, simbolicamente, estão articulados o lírico e o político por meio da exploração do espaço e de materiais diversos.

Claudinei Roberto da Silva
curador

CICLO EXPOSITIVO 10 e 11
Programa Casa Tato
Curadores: Sylvia Werneck e Claudinei Roberto da Silva
Curadora assistente: Maria Eduarda Mota
Abertura: 03/08/2024, sábado, das 15h às 19h
Visitação: de quarta a sábado, das 13h às 18h, até 06/09/2024

Entrada gratuita